segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Ah, poder ser tu, sendo eu !

Ela canta, pobre ceifeira

Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anónima viuvez,

Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.

Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões pra cantar que a vida.

Ah, canta, canta sem razão !
O que em mim sente 'stá pensando.
Derrama no meu coração
A tua incerta voz ondeando !

Ah, poder ser tu, sendo eu !
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso ! Ó céu !
Ó campo ! Ó canção !A ciência

Pesa tanto e a vida é tão breve !
Entrai por mim dentro ! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve !
Depois, levando-me, passai !
                           Fenando Pessoa

Um comentário:

  1. Um julgo de amor leve e solto.
    Dentro de uma irracionalidade racional.
    O desejo de alívio, em um vívido sinal.
    Não mais a sonhar.
    Somente, por si só a delirar.

    Penso, de maneira honesta, que as vezes não saber das coisas é melhor que viver alucinado na realidade imaginada para nós.

    Simples assim, penso.

    Linda escolha de texto.
    Lhe Honro!

    SSS Júlio Reis.

    ResponderExcluir